09 abril 2009

A Praia de Chesil - Ian McEwan (2007)

"A cólera. O demónio que conseguira controlar anteriormente, quando pensava que a sua paciência estava prestes a abrir brechas. Como era tentador ceder-lhe, agora que estava sozinho e podia deixá-la arder. (...) E que mal havia num mero pensamento? Era preferível acabar com ele agora, enquanto ali estava, meio nu entre destroços da sua noite de núpcias." (pág.105)

Este singelo livro de 128 páginas, conta-nos a breve história de Edward e Florence, dois recém-casados, repletos de medos, angústias e desejos na sua noite de núpcias.
A arte de pensar de duas pessoas que se relacionam é o ex-líbris do livro - McEwan descreve pormenorizadamente o rol de dúvidas que temos quando nos relacionamos com outros. O fazer isto para não parecer aquilo, a interpretação de cada gesto. Acaba por ser paranóico mas tem a sua piada - é a racionalidade a interferir com as simples emoções. E depois acabam por existir pequenos gestos que deixamos de fazer por medo, palavras que não dizemos por orgulho, até que chegamos à conclusão que amar não é algo que seja linear sendo impossível criar uma fórmula para entender este sentimento que não se percebe se é altruísta ou egoísta.

Ainda ontem uma amiga dizia-me que Danielle Steel era a escritora típica da americanazinha coitadinha, que nasceu nos confins do mundo e que se torna uma estrela de Hollywood. Por sua vez, Ian McEwan, a meu ver, é o escritor típico do grande amor interrompido por um "pequeno" erro que estraga sempre tudo. Não é que queira comparar este autor com Danielle Steel, porque na verdade nunca li nada dela, mas a verdade é que temo que os livros de Ian McEwan batam sempre na mesma tecla, tendo em conta o livro que acabei de ler, o filme A Expiação (ainda não li o livro) e o resumo que li dos Cães Pretos. Enfim, a ver vamos.

"Nada era nunca discutido e eles também nunca sentiam a falta de uma conversa íntima. Esses eram assuntos que estavam para além das palavras, para além da definição. A linguagem e a prática da terapia, a aceitação de sentimentos diligentemente partilhados, mutuamente analisados, ainda não tinham entrado em circulação generalizada. Embora se ouvisse falar de pessoas abastadas que faziam psicanálise, ainda não era habitual uma pessoa considerar-se em termos de quotidiano como um enigma, como um exercício de narrativa histórica, ou um problema à espera de ser resolvido." (pág. 22)

19 março 2009

A Solidão dos Números Primos - Paolo Giordano (2008)

Chamar-lhe o melhor romance de 2008, como anunciava a fita vermelha que envolvia o corpo do livro, parece-me exagerado. Não é que eu tenha lido muitos romances editados o ano passado, mas mesmo o Destino Turístico não lhe fica atrás. Lê-se rápido, de um só fôlego - é uma vantagem - mas não me deixou estupefacta, como gosto de ficar. Se eu fosse a marketter encarregue deste livro, mandaria escrever na fita vermelha - "Melhor Prenda de Natal - 2008". Aposto que a maioria das pessoas dá-lhe no mínimo um 7 (de 0 a 10), pois é de agradável paladar.

Os primeiros capítulos são dedicados a dois acontecimentos trágicos que tranformam o romance entre um geek e uma anorética numa dark novel, ao mesmo tempo que dá carisma a este relacionamento e que distingue estes dois outsiders dos restantes mortais. Mas, como já disse anteriormente neste blog, quem é que não se sente E.T., nem que seja uma vez por outra? Enfim, a eterna saga dos inadaptados.

Paulo Giordano, autor do livro, é um jovem Físico italiano de 25 aninhos. Geek! :D

O livro tem a particularidade de me ter ensinado o que são números primos gémeos, o que não deixou de ser interessante. Foi também curioso andar por Amesterdão e ver publicidade deste livro espalhada por toda a cidade como que a relembrar-me que ainda não tinha escrito o post.

Como é hábito, deixo-vos com uma das minhas passagem favoritas, que me fez lembrar paranóias dos tempos de faculdade:

"Durante os quatro anos da faculdade a matemática conduzira-o aos recantos mais remotos e fascinantes do raciocínio humano. Mattia recopiava as demonstrações de todos os teoremas que encontrava no seu estudo com um ritualismo meticuloso. (...)Quando dava por si a hesitar em demasia numa passagem, ou se enganava a alinhar uma expressão após um sinal de igual, empurrava a folha para o chão e recomeçava do princípio. Chegado ao fim daquelas páginas densas de símbolos, de letras e números, escrevia a sigla cqd e por instantes tinha a impressão de ter posto em ordem um pequeno pedaço do mundo. Então, recostava-se na cadeira e cruzava as mãos sem as fazer roçar uma na outra."

08 janeiro 2009

O Destino Turístico - Rui Zink (2008)

É sempre confortável encontrar um livro que após largos meses sem conseguirmos terminar um, nos apega e ficamos desejosos de chegar a casa só para ler mais um bocadinho. Felizmente foi o que me aconteceu com "O Destino Turístico" e agora já sinto saudades por hoje à noite não o ler. Gosto muito da escrita do Zink, já o conhecia, mas ainda não tinha lido um livro dele até ao fim. Parece que escreve para si próprio. Por vezes julgamos conseguir descortinar nitidamente as voltas que vai dando à narrativa, mesmo os recuos que faz quando uma ideia não se afigura tão genial como inicialmente aparentava, digo eu...
Este conto sobre Greg, ou Guereg, como queiram, que pretende morrer mas que não tem coragem para se suicidar, vive de uma ideia criativa que inicialmente nos reporta para paragens longíquas, levados por uma realidade estranha do espaço da acção que se assemelha mais a paragens no médio oriente, mas que aos poucos nos faz suspeitar que quiça esta "zona" onde decorre a narrativa afinal não é assim tão longe.
Se não me engano, há tempos ouvi o Rui Zink contar uma história de ter sido processado por ter dado um pontapé a um carro que não o deixou passar numa passadeira... foi engraçado recortar este acontecimento do livro.

"Greg atravessou o pátio e teve o segundo não-déjá vu do dia. Por uma razão qualquer, quase tinha a certeza de que ia encontrar a jornalista e o câmara à beira da piscina. (...) E lá não-estava ela, exactamente na mesma posição em que no dia anterior. (...)Um não-déjá vu era, de certo modo, simultaneamente o oposto e o dobro de um déjá vu. Este, o produto original, consistia na sensação estranha de voltar a ver uma cena tal & qual nos recordávamos de a ter vivido. Tendo isto em conta, a não-repetição da cena era, simplesmente, a não-repetição da cena. Um não-acontecimento. E um não-acontecimento era, por definição... enfim, um não acontecimento. Algo que não acontecera. Fumo. Fumo de nada. Nada. Só que, por outro lado, o facto de uma pessoa esperar um déjá vu não faria, desde logo, com que isso fosse (até certo ponto) um déjá vu?"