30 julho 2008

Coração Débil - Fiódor Dostoiévski

"Dos seus olhos caíram lágrimas sobre a mão de Arkádii.
- Vássia, se soubesses a amizade que te tenho, não me fazias essa pergunta.
- Tens razão, Arkádii; mas eu não consigo perceber bem porque motivo és assim tão meu amigo. Quero que saibas, Arkádii, que esse teu afecto me pesa verdadeiramente. Quantas vezes, quando me deito, fico a pensar em ti - porque penso sempre em ti antes de adormecer - e o coração põe-se-me a bater com tanta força, tanta força... Por tu seres tão meu amigo e eu não ter maneira de te mostrar a minha gratidão..." (pág. 64)


(ler as próximas três palavras com sotaque britânico)
Drama, drama, drama!
Dostoiévski não desilude. As personagens que encontramos neste conto são todas uns pé-rapados, paranóicas e lamechas - choram mais facilmente do que eu (onde é que isto já se viu!). Mas a verdade é que Fiódor é um artista a transformar o delírio de um homem que vive obcecado em não defraudar as expectativas que os outros têm dele numa suave dança até à loucura. Esta é uma das suas primeiras obras, escrita em 1848, mas pelos vistos já fideliza um estilo muito sui generis do escritor. Estou delirante por finalmente ter terminado uma obra dele, tendo em conta que já tentei atacar o Crime e Castigo inúmeras vezes, mas não consigo ultrapassar a famigerada barreira das primeiras 100 páginas - o facto deste livro ter somente 88 ajudou :D.

Este é o primeiro livro de uma colecção de 30, que o Diário de Notícias resolveu oferecer aos seus leitores durante este Verão. Saem todos os dias expecto às terças e quintas. A oferta de hoje foi "A Minha Mulher" de Anton Tchekov. Para os possíveis interessados, aqui fica o link para o site do Diário de Notícias, onde podem encontrar a lista completa dos livros que pertencem a esta colecção e a data em que são oferecidos com o jornal.

10 julho 2008

Rosa Vermelha em Quarto Escuro - Pedro Paixão

"Ela não gosta de escolher. Escolher é sempre anular todas as outras possibilidades.(...) Entretanto tomou várias decisões. O que ela evita sempre que possível. Tomar uma decisão é eleger uma possibilidade entre muitas outras que ficam preteridas. Pode ser injusto." (pág. 50 e 179)

Eu tenho um gosto secreto em poder escolher. É poderoso e enche-me de liberdade. Não me martirizo com as injustiças que podem advir daí. Sendo assim, apesar das inúmeras vezes em que me identifiquei com a personagem principal deste livro, também são muitas as diferenças evidentes que me separam dela. Mulheres, escritas por um homem... Podia meditar sobre isto mas não me apetece.

"Ela não consegue suportar a desconfiança. É o pior dos sentimentos. Dá-lhe dores físicas. A desconfiança é um cancro que vai roendo a relação entre as pessoas até já não ficar nada delas próprias. Nada há de mais raro e precioso do que a confiança. Muito difícil de ganhar, muito fácil de perder. " (pág. 79)

Sinto-me com vontade em fazer uma ligeira comparação com O Véu Pintado. Trata novamente do despertar de uma Mulher para a vida , mas desta feita muito mais ao meu género :) O livro é todo dedicado a ela, à sua inteligência e desorientação, aos seus desejos e castrações, às suas reflexões e limitações.

"Ela tem dificuldades em mentir. Nota-se logo, atrapalha-se, os olhos traem-na. Ela tem uma espécie de admiração pelas pessoas que sabem mentir. Mentir aqui implica ter de mentir em seguida ali e assim por diante. Uma mentira precisa de outra mentira para se confirmar como mentira. Nunca poder deixar de mentir." (pág. 66)

Apercebo-me que já não lia um livro do Pedro Paixão há pelo menos 6 anos. Os seus pequenos livros publicados pela Cotovia eram a minha fiel companhia nas viagens diárias de metro. Continua a escrever aos soluços, a sua principal característica, mas notei algumas diferenças na natureza da sua escrita: muito mais erótica e ligeiramente menos idealista.

"A simpatia é uma forma superficial de alguém se mostrar agradável por algum motivo. Perdido o motivo corre-se o permanente risco de se converter em brutal antipatia. (...) Muito diferente de ser educado. A educação mantém a devida distância. A simpatia pretende passar a estúpida ideia de que vamos ser para sempre muito amigos. Algo detestável." (pág. 118)

Podemos não aprender nada de jeito com este livro, mas toca em pormenores do nosso quotidiano, especialmente em subtilezas do relacionamento entre seres humanos, que me deixam intrigada e dou por mim a reflectir nesses mesmos pormenores constantemente. Podem achar que tudo o que o Pedro Paixão escreve é filosofia barata mas não posso esconder que em certa medida aprecio essa filosofia. Convém é não abusar senão enjoa.

"Uma pessoa não é quem quer ser, não faz o que gostava mais do que tudo fazer, não dita a vida que a leva consigo. (...) Salvo nos momentos de paixão em que vivemos a tremenda certeza de estarmos a ser quem somos. (...) A paixão é um engano em que nos queremos enganar mais do que tudo. Uma partida pregada pela vida que depois nos reconduz ao lugar quotidiano ao qual pertencemos e nos vai construindo e desfazendo. Dia a dia, todos os dias. O castigo de ter querido ser mais do que se é. Do que se pode. Ela pensa várias vezes em coisas deste tipo. Coisas que apelida do tipo inútil. Que não parecem ajudar. Sem aprofundar muito. Com receio de pensar demais nisso e ficar retida algures numa dúvida cheia de perigos." (pág. 11 e 12)

Pegando em palavras do autor, pode-se dizer que nesta história não acontece quase nada, pois o importante não é o que acontece mas o que se faz com o que acontece.

"O Luís pede mais uma garrafa de vinho verde que não é verde mas sim amarelo transparente e diz: avançamos todos ao mesmo tempo, no mesmo tempo a atravessar a eternidade. Deve haver uma parte de nós que passa com o tempo. Outra não passa porque vive desde sempre na eternidade. Quando leio Píndaro ou Platão sinto que não passou tempo algum, que nos encontramos num canto da eternidade, o nosso café, e sinto-me deveras feliz."(pág. 188)

Eu gostei, é muito ao meu género e já estou com saudades de o folhear.

" A vida é uma prodigiosa viagem em que nos vamos reencontrando a nós próprios." (pág. 123)

Agora quanto à minha paranóia de não gostar de ler livros emprestados, achei engraçado transcrever-vos esta última passagem:

"Quando estou a ler um livro que pertence a outra pessoa esse livro não será meu enquanto o estou a ler? Mais meu do que de quem o comprou? Roubar um livro não será o único roubo que não merece castigo?" (pág. 59)